Liberadas importações de zebu da Índia



Depois de 12 anos de negociações para abertura das importações de material genético do zebu indiano, os primeiros embriões das raças guzerá, gir e nelore importados da Índia chegam ao Brasil. A tecnologia foi essencial para que os criadores brasileiros iniciassem esse novo capítulo na história do zebu.

Pelos desertos do estado indiano de Guzerate, o pecuarista brasileiro Geraldo Melo Filho percorreu milhares de quilômetros em busca de rebanhos puros da raça guzerá. Quando desembarcou em Ahmedabad, a maior cidade do estado, ele percebeu que a procura por bons animais exigiria longas viagens pela terra nativa do guzerá, pois, nas proximidades da cidade, grande parte dos animais eram mestiços. Como os indianos criam bovinos apenas para tração e produção de leite, o governo incentiva há vários anos o cruzamento entre zebuínos e raças taurinas leiteiras para garantir mais leite à população. Essa política tem resultado na redução dos rebanhos de zebuínos puros.

Somente quando saiu de Ahmedabad em direção ao deserto, o criador Geraldo Melo Filho pôde encontrar lotes de animais puros. “Os mestiços não conseguiriam sobreviver às temperaturas tão altas e à escassez de comida do deserto. O guzerá, por ter rusticidade, vive bem nessa região. O gado come o que acha, como, por exemplo, palhada de alguma lavoura já colhida e, mesmo assim, dá boa quantidade de leite para consumo das famílias. A pureza dos lotes no deserto é fenomenal”, lembra Melo, que esteve na Índia nos anos de 2003, 2004 e 2006 em busca de bom material genético para importar para o Brasil. Ele é criador de zebu há 28 anos.

Foram mais de cinco mil quilômetros percorridos na tentativa de selecionar bons zebuínos. Uma tarefa árdua que começa a resultar em um final feliz. Depois de mais de uma década de negociações, os governos do Brasil e da Índia assinaram o protocolo sanitário que permite a importação apenas de embriões zebuínos. O acordo foi assinado em fevereiro de 2008, mas os primeiros lotes só chegaram em solo brasileiro em dezembro devido ao excesso de burocracia.

A liberação para o envio da primeira remessa de cerca de 350 embriões (300 nelore e 50 gir e guzerá) aconteceu somente após a intervenção direta do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva junto ao governo indiano durante viagem oficial àquele país, no ano passado. O embaixador do Brasil na Índia, Marco Brandão, também teve participação importante na reta final das negociações. “O empenho do presidente Lula para a concretização dessa abertura foi decisivo. A retomada das importações também é resultado de 12 anos de trabalho abnegado, arrojado e inovador de criadores brasileiros naquele país, com a parceria do Ministério da Agricultura, da Embrapa, da CNA e da ABCZ”, afirma o presidente da ABCZ, José Olavo Borges Mendes, que integrou a comitiva presidencial quando Lula esteve na Índia em 2004.

O pecuarista e vice-presidente da ABCZ, Jonas Barcellos, é considerado pioneiro nessa nova saga do zebu. No final da década de 90, ciente da necessidade de introduzir novas linhagens das raças zebuínas para resolver o problema da consaguinidade, o criador decidiu comprar animais na Índia. “Consegui garimpar bons animais em várias regiões da Índia, mas, na hora de trazer o gado para o Brasil, não consegui a liberação do governo brasileiro, que alegou risco sanitário. A partir daí, foram anos e anos de muito esforço para garantir a reabertura das importações”, lembra Barcellos, único criador brasileiro que na época adquiriu gado naquele país.

O caminho trilhado inicialmente apenas por Barcellos atualmente é percorrido por outros pecuaristas. A maioria deles contou com ajuda do proprietário da fazenda Mata Velha para vencer o desafio de “garimpar” zebu puro na Índia. Para facilitar todo o processo de aquisição de material genético por parte dos brasileiros, ele montou por lá um laboratório para coleta de embriões, único credenciado para exportar para o Brasil. De lá, serão enviados embriões das raças guzerá, nelore e gir. Dessa última, Barcellos decidiu adquirir animais, mesmo não sendo a raça que cria em seu plantel. “A qualidade do rebanho de gir indiano é impressionante, pois a seleção que eles fazem para leite é criteriosa”, diz o proprietário da Mata Velha.

Na lista de entraves superados ao longo dos últimos 12 anos de negociações, consta até mesmo preocupações religiosas devido ao fato dos bovinos serem sagrados para os adeptos do hinduísmo, religião predominante na Índia. Por parte do Brasil, os entraves foram ligados à questão sanitária. Como o país exporta carne bovina para importantes mercados, o governo vê com reservas a importação de material genético e animais vivos de países que possuem enfermidades que não existem por aqui. Uma experiência amarga já vivida pela Austrália, quando o país importou material genético e teve boa parte do rebanho dizimado por causa da peste bovina asiática. “O governo brasileiro teve excesso de zelo em relação à parte sanitária, mas foram cuidados necessários. Somos o maior rebanho comercial do mundo e não podemos nos arriscar”, atesta o deputado federal Abelardo Lupion, que preside a Comissão Parlamentar Brasil-Índia e está entre o grupo de importadores de embriões. Ele esteve em terras indianas cinco vezes participando de negociações para a abertura do mercado e também à procura do verdadeiro ongole (o nelore indiano). A última visita aconteceu em dezembro do ano passado.

Segundo o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Inácio Afonso Kroetz, as exigências do governo brasileiro são feitas para os países onde o quadro sanitário apresenta enfermidades diferentes das registradas por aqui.

Ao contrário das importações de zebu feitas até 1962 (em 1964, as importações passaram a ser proibidas), a atual aquisição de genética zebuína indiana pôde contar com o avanço das pesquisas para garantir total segurança sanitária. Estudos feitos para verificar qual a forma mais segura de importar a genética do zebu indiano apontaram que apenas o envio de embriões seria seguro. “Graças à evolução da tecnologia, hoje é possível coletar embriões sem qualquer risco sanitário. Já no caso de animais vivos e sêmen não seria possível. Por isso, não houve a liberação das importações de bovinos e sêmen”, explica Kroetz. Nas importações anteriores, foram trazidos apenas animais vivos. Outro diferencial dessa importação, segundo o deputado Lupion, é a realização de exames de DNA nos animais nelore adquiridos na Índia para atestar que se trata de zebu puro. Todos eles contam com registro genealógico e estão inseridos no Livro Especial de Importação, que contém dados de animais registrados na Índia por um representante da ABCZ entre os anos de 1999 e 2008. A partir deste ano, somente os descendentes desses zebuínos já registrados poderão receber o registro.

Os embriões coletados dos animais selecionados por criadores brasileiros na Índia passaram por testes para detectar possíveis enfermidades. Em seguida, foram submetidos à lavagem com substância química para eliminar qualquer risco de doença. Após esse processo, os embriões foram congelados e enviados ao Brasil. Como medida de segurança, uma amostra do líquido extraído na hora da coleta ou lavagem uterina e os embriões degenerados foram enviados junto com os embriões para serem analisados no Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro), em Pedro Leopoldo (MG).

A etapa seguinte será a transferência desses embriões para as fêmeas receptoras. Todas as novilhas que serão utilizadas, cerca de 400, passarão por testes, para detectar possíveis doenças, e por um período de quarentena. Elas ficarão na ilha de Cananéia, local onde fica o quarentenário oficial do Ministério da Agricultura. Comprovada a prenhez, as novilhas serão acompanhas até o parto. Somente depois de novos testes sanitários é que os bezerros serão liberados para os importadores. A expectativa é de que os primeiros exemplares nasçam até o final de 2009.

O quarentenário do Ministério só tem capacidade para 400 animais. Isso irá limitar o número de bezerros nascidos por ano. Além disso, o índice de prenhez positiva por meio da transferência de embriões deve chegar a no máximo 40%.

Para o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Rodolfo Rumpf, os avanços da Ciência darão a essa importação um caráter histórico que vai além da parte sanitária. Será a possibilidade de se montar um banco de germoplasma das raças zebuínas no Brasil através de um intercâmbio entre os dois países. “A inseminação artificial em massa das vacas zebuínas com sêmen de taurinos está reduzindo os rebanhos zebuínos por lá. Já o zebu usado para tração animal pode ser reduzido com a entrada do trator na produção agrícola. Futuramente, caso precisem da genética do zebu, os indianos terão de recorrer ao Brasil. Temos material genético zebuíno no Brasil capaz de garantir uma possível exportação. Esse foi um dos motivos que levaram o governo indiano a retomar as negociações em 2004”, lembra Rumpf, que esteve na Índia na época representando a Embrapa em uma reunião diplomática para discutir a abertura do comércio.

O pesquisador voltou à Índia um ano depois junto com a comitiva do Mapa para conhecer a infraestrutura do país, bem como os laboratórios credenciados pelo governo indiano para a realização dos procedimentos com os embriões, os locais destinados ao gado em quarentena e rebanhos. Segundo ele, o governo da Índia é bastante criterioso e exige a permanência de um médico veterinário do ministério da agricultura do governo local nos laboratórios.

Cerca de 11 novas linhagens de nelore devem ser introduzidas no Brasil. Entre os importadores desse “sangue novo”, está o criador do Mato Grosso do Sul e ex-presidente da ABCZ, Orestes Prata Tibery Júnior, cuja família teve participação direta em importações passadas. Em busca de animais da raça nelore com boa caracterização racial e de alta fertilidade, o filho do produtor, Ângelo Tibery, viajou para a Índia três vezes. Em uma delas, ele permaneceu quase 60 dias no país percorrendo várias regiões onde há rebanhos zebuínos. “Foi difícil achar material genético de qualidade. Muitas vezes ele saía de madrugada de uma cidade e viajava vários quilô¬metros para chegar em regiões onde se tinha notícia de um bom gado e não encontrava nada. Mas foi possível encontrar bons exemplares ao final das viagens”, conta Orestes. Os embriões dos animais selecionados por Ângelo Tibery ainda não chegaram ao Brasil, mas Orestes acredita que eles trarão uma contribuição importante para o rebanho brasileiro, principalmente em relação à habilidade materna das fêmeas. “Na Índia, as vacas são magras e mesmo assim conseguem criar bem seus bezerros. Precisamos ressaltar ainda mais essa característica nas nossas vacas”, diz.

É o que pensa também o criador Geraldo Melo. “Essa importação vai beneficiar a raça nelore em relação à habilidade materna”, destaca. No caso do guzerá, Melo acredita que a contribuição será relacionada à caracterização racial, rusticidade e ao porte maior dos animais (adequados para produção de carne, que é o enfoque da seleção do criador). Por ser de dupla aptidão, o guzerá terá também ganhos na parte leiteira. Segundo Melo, as vacas selecionadas por ele na Índia dão mais de 20 litros de leite por dia.

Para os dois criadores, essa nova importação enfocou características diferentes das passadas. “Na im¬portação de 1962 foram trazidos poucos animais guzerá e eles tinham um porte menor. Agora, fomos em busca de exemplares com características voltadas para a produção de carne, cujo porte é maior”, de¬clara Melo. Na raça nelore, a última importação foi considerada fundamental para melhoria da qualidade do rebanho no que diz respeito à ossatura e peso. Agora, Tibery aposta no ganho na parte de fertilidade da raça. Além de Tibery e Melo, que é superintendente geral da CNA e conselheiro da ABCZ, uma série de outros criadores lutaram nos últimos anos para a abertura das importações e também estão trazendo embriões da Índia. Entre eles, estão os selecionadores Pedro Novis e Jonas Barcelos, vice-presidente da ABCZ.

Peculiaridades de cada raça à parte, o zebu brasileiro será beneficiado com a redução do risco de consangüinidade no rebanho, o que os criadores chamam de “refrescamento” de sangue. A consangüinidade acontece quando se cruza animais de uma mesma família, o que é comum quando o número de bovinos oriundos de linhagens diferentes é reduzido. Para o pesquisador da Embrapa, Rodolfo Rumpf, essa nova importação é uma iniciativa muito importante do ponto de vista genético e deve receber atenção especial da parte dos programas de melhoramento genético. “O Brasil tem um trabalho bastante conceituado na área de melhoramento genético e isso deve ser utilizado a favor da multiplicação dessa genética que está sendo importada da Índia”, ressalta. Segundo ele, técnicos dessa área participaram do processo para liberação das importações e já trabalham para garantir que essa nova leva de zebu indiano, assim como os raçadores do passado, imprima novamente ao rebanho brasileiro um salto qualitativo na produtividade.

Fonte: Revista ABCZ

Saiba mais aqui em Girbrasil

_____________Voltar para a página principal___________


Dalua do Roza (Caruso HRL X Diana da SJ), de Rosimar Silva, Fazenda Santa Clara - Bela Vista de Goiás - Brasil